quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Uma analogia nutritiva: Universidade-Restaurante.





Quando eu fui contratado na UFABC em 2010, eu vi uma palestra ministrada pelo professor Sandro Costa e Silva, que comentava aos alunos ingressantes sobre as analogias de series de TV e a UFABC.  Das muitas coisas ditas nesta ótima palestra,  uma que me chamou bastante a atenção era sobre a oferta de disciplinas na UFABC:  Dizia ele que as Universidades Tradicionais ofereciam sempre a refeição à “La Carte" com o prato principal e acompanhamentos muito bem definidos e poucas possibilidades de variação.  Enquanto que na UFABC, tínhamos um "Self Service" em que os alunos poderiam escolher o que bem quisessem dentre o que lhes era oferecido. Tal imagem, além de interessante,  pode aludir bem a uma questão que hoje é um dos problemas mais complexos e arraigados da UFABC: a oferta e a matrícula em disciplinas.

A complicação inicia-se pela expectativa dos ‘convidados’ ao banquete em relação a lista com quase 1000 ‘pratos’ que podem ser oferecidos.  A escolha que não é nada fácil, ainda pode ser mais intricada se pensarmos que é necessário agregar um certo valor nutricional bem definido para o convidado poder deixar este estranho restaurante devidamente credenciado pelos nossos cozinheiros.

O número de cozinheiros para preparar as refeições é bem inferior ao que seria necessário e, além disso, há diferentes opiniões de como as refeições deveriam ser oferecidas: uns acreditam que deveriam deixar todos os pratos a disposição o tempo todo... Outros acham isso uma loucura e consideram que o adequado é oferecer um menu sugerido com garantia do convidado conseguir este prato e mais outras opções em menor número que serão dadas a um número menor de convidados com mérito para apreciar esse complemento da refeição. Isto é um ponto em que os cozinheiros debatem bastante e, provavelmente, este ano deve-se discutir ainda mais, uma vez que logo haverá escolha de um novo TOP CHEF de nosso restaurante, bem a equipe de todos os SUB-CHEFs.

Os pratos mais básicos e obrigatórios no menu de nossos convidados precisam ser feitos em um número gigantesco (mais de 2000 refeições por ano), pois sempre tem aqueles convidados que não conseguindo terminar a refeição na primeira tentativa, a cancelam para que possam tentar futuramente comê-la quando não for tão pesada ou indigesta. Há uma grande demanda de cozinheiros para estes pratos e aqui muitos acham que deveriam se seguir uma receita bem estabelecida por todos, assim garantindo o mesmo ‘valor nutricional’ de todas as porções destes pratos obrigatórios. Outros cozinheiros não gostam dessa opção, pois dizem que isso retira a sua liberdade criativa de colocar seu toque pessoal no prato.  Mesmo assim, a Unificação das Receitas foi feita e os convidados ficaram divididos entre os que apreciam e os que preferiam a moda antiga.

Além destes pratos obrigatórios, existem aqueles de demanda reduzida com valores nutricionais e sabores bem específicos para certo tipos de convidados. Para estes pratos, muitas vezes há poucos cozinheiros, ou até mesmo,  apenas um que é especialista em seu preparo. Fazendo que alguns cozinheiros precisem fazer muitos tipos diferentes de pratos ao mesmo tempo. Ainda há cozinheiros ociosos que  tentam evitar de cozinhar o que deveriam ou produzem refeições de baixo valor nutritivo. Outros apuram demais seus pratos e os tornam picantes e indigestos para a grande maioria dos convidados, mesmo sendo produzidos com alimentos de excelente qualidade e valor nutritivo. Haveria muitos outros casos sobre os cozinheiros para descrever, mas o espaço aqui é curto para falar de todas estas coisas. 

Por outro lado, os convidados também nem sempre ajudam. Pois na sua opção de Self Service, muitas vezes, fazem escolhas esdrúxulas combinando refeições, misturando alimentos estranhos e depois reclamando quando a digestão é difícil ou, até mesmo, impossível. Eles requisitam uma verdadeira sopa de cactos, achando que será algum manjar dos deuses... Os cozinheiros insistem em dizer que certos  pratos tem precedência sobre outros e que os alimentos deveriam ser consumidos em uma ordem natural que foi estabelecida no menu sugerido. Nem todos os convidados entendem a importancia das sugestões e esquecem que a liberdade de poder apontar o prato que desejam no menu vem sempre acompanhada da responsabilidade de arcar com as consequências da (in)digestão das refeições requisitadas.  Quando os convidados não estão satisfeitos com o alimento recebido,  costumam dizer que aquilo não é justo e que  tudo é um “mero capricho dos desmandos da elite gastronômica dos cozinheiros”... 

Para quem olha de fora deste restaurante, tudo se parece como uma porção de garçons desesperados requisitando todo tipo de prato e jogando pedidos sobre os atarantados cozinheiros, que debatem fervorosamente entre si enquanto cozinham sobre a importância do que fazem, valor nutritivo entre outras tantas questões que consideram de suma importancia para o perfeito funcionamento do restaurante. Enquanto, os convidados reclamam impacientes dos pratos recebidos e afirmam como poderiam eles mesmos oferecer pratos muitos melhores que aqueles que ocupam os cargos de cozinheiros só por ter um diploma para isso. 

Entretanto, uma coisa que me fascina neste pandemônio que é nosso restaurante é que, mesmo com todas as confusões, os convidados que deixam o restaurante estão muito bem alimentados e com tamanha vitalidade que nosso restaurante se destacou em relação aos demais restaurantes (muitos destes já tradicionais e prestigiados) perante os severos críticos governamentais. De alguma forma, mesmo que passando por algumas angustias e provações, parece que a comida que produzimos ainda tem o mais importante em sua essência: a 'sustância', como diriam nossos amigos do Nordeste. =)

Mas como poderíamos colocar alguma ordem nesta cozinha em baderna? Bem, isso é um prato cheio para os próximos textos que poderão vir em breve . ;-) 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Um texto antigo: Fenômenos: não os tema, mas os respeite.



Na típica limpeza de começo de ano do HD de meu computador , me deparei com este texto que havia escrito para uma edição da revista eletrônico "Contraste", que era editada por um grupo de alunos da UFABC e na qual eu escrevia uma seção chamada "Do Covil do Cavaleiro". Infelizmente, ela foi descontinua com um período curto de vida. Assim, meu segundo texto acabou nunca sendo publicado.  Por diversos motivos, entre eles mencionar um colega professor da UFABC que nos deixa para seguir para a Unicamp, eu deixo o texto aqui. Afinal, mesmo palavras fora do seu tempo podem trazer uma mensagem atual para alguns. =) [para ver o primeiro texto que foi publicado: http://migre.me/d4mSx]

Seção: Do covil do Cavaleiro.
Título: Fenômenos: não os tema, mas os respeite.  

O excesso de trabalho sobre os ombros de todos resultaram nesta edição surgindo um pouco depois do início do quadrimestre. Mesmo assim, vou manter a promessa de comentar sobre um grupo de disciplinas que, por vezes, causa certo horror aos jovens ingressantes: os Fenômenos.

Transcorridas mais de duas semanas deste terceiro quadrimestre, não há mais grandes surpresas: Professores bem definidos em suas disciplinas e nas outras atividades de pesquisa e extensão.  Afinal, a UFABC não poderá ser uma das 100 melhores só com o charme de nossos olhos.

Do outro lado, os alunos já sabem razoavelmente o que os aguarda no típico ritmo acelerado dos cursos que precisam ser concluídos em 12 semanas.  Conhecidos os professores, ficam claras as regras do jogo e se esse período será  traçado por ‘caminhos suaves’ ou tortuosas trilhas desconhecidas na busca por conhecimento e aprovação.

Os ingressantes, já não tão calouros como antes, iniciam todas as disciplinas que não são mais ‘bases’, mas ainda fundamentos.  Eu os alerto que agora a Universidade começa para valer: As bases sugerem que vocês não são mais crianças de colegial, mas são as FUVs, GAs e FEMECs que iniciam o processo de fazê-los homens (e mulheres) universitários de verdade.

Como Físico, preciso falar dos fenômenos, que obrigatórios, temos três: Mecânicos, Térmicos e Eletromagnéticos.  O primeiro reverencia ao grande Newton, o segundo faz jus aos muitos senhores do calor (Boyle, Carnot, Boltzmann, etc) e o terceiro glorifica ao esplêndido cientista-poeta-e-muito-mais Maxwell. Os fenômenos não são apenas a compartimentação do ‘núcleo duro’ da física clássica no BC&T, mas o tecido básico da natureza que se apresenta aos nossos olhos.

A palavra fenômeno costuma se associar ao extraordinário ou incomum. Não é à toa que a usamos aqui. Por vezes, dependendo da forma que olhamos, a natureza é vista como uma sucessão de milagres ou apenas a manutenção das leis básicas da física. A maneira como você interpreta é discutível, mas para entendê-la não há fuga: é preciso compreender o fundamental.

Os Fenômenos se apropriam de palavras comuns e expressões coloquiais para se definir e constituir: trabalho, momento, energia, coerência, discórdia... Em Física, tudo beira o incrível até se aceitar que é apenas o natural. Talvez seja essa apropriação peculiar de palavras e conceitos, juntamente com muita matemática laboriosa, que faz dessas disciplinas um material de tão difícil digestão.

Apenas para dar o ar de seriedade (e, talvez, dos problemas) das disciplinas de Fenômenos: Nos eletromagnéticos, a reprovação é de 49%, ou seja, efetivamente é como se, ao se matricular, você lançasse uma moeda e a face que surge aos seus olhos ditasse se seria aprovado ou não. Assustado? Eu espero que não. Porém, a UFABC em sua ânsia de formar os melhores, por vezes, usa a “técnica do rio para criar bons nadadores”: Você joga a criança no meio do rio, se ela sair: então, aprendeu a nadar.

Isso abre caminho para o aparecimento de alguns cavaleiros também (essa é a coluna do covil; portanto, a menção aos cavaleiros é quase obrigatória): Este tipo de cavaleiro não nasce do anseio de fazer o mal, mas da urgência de ensinar com rigor os fundamentos da ciência. Ao menos, essa é uma das classes de cavaleiros.  Portanto, a busca por excelência da UFABC é o que nutre o comportamento ‘cavaleriano’ de alguns.

Por fim, deixo meu conselho:  trabalhe com afinco e perseverança e os fenômenos serão fonte rica de conhecimento e, quem sabe, diversão. Tenha confiança, você verá que depois da Tempestade surge a Bonança (e isso nem foi um trocadilho rs). 


Dada a menção do 'trocadilho', aproveito este texto para falar do professor Marcus Bonança, que deixa a UFABC e continua a sua jornada agora na Unicamp. O Bonança é um professor bem conhecido de muitos alunos, funcionários e professores. Confesso que é um amigo que fará falta na UFABC por inúmeras razões, mas desejo que conquiste tudo o que necessita nesta nova etapa de sua carreira. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Uma mulher chamada Mecânica Quântica





Nem sempre os textos surgem como eram em nossas mentes. O simples passo de escrevê-lo já o faz ser diferente de como esperaríamos que fosse... As palavras sempre limitam o significado, mesmo assim insistimos em tentar por palavras expressar o que nem sabemos definir com os pensamentos. Esse texto surgiu de uma dessas tentativas... 



Então, alcançamos a maturidade. Surge a Mecânica Quântica, algo como uma estonteante garota na balada. Ofuscada pelas luzes e atmosfera daquele ambiente, sua simples imagem nos choca, hipnotiza e fascina.  Suas roupas, seu jeito de agir mostram algo desconhecido, ousado e até absurdo. Ela representa tudo que vai contra a nossa intuição, mesmo assim não podemos tirar os olhos dela.  Definitivamente, sentimos que ela vem para modificar completamente tudo o que concebemos como natural. Ela é autentica e pouco se importa com o que achamos que ela deveria ser. Neste primeiro momento surge deslumbramento e angustia, sabemos que a vida não pode mais ser como antes e não temos ideia do há por vir. Ela é algo completamente novo em nossa vida e demanda um olhar igualmente original da realidade para fazer sentido.

Só nos resta dar um salto para além: aceitamos que ela é algo diferente, especial e que não podemos compreender ou descrever. Mesmo assim, de algum modo, sabemos que ela é exatamente aquilo que pedimos, sem saber que era o que precisávamos.  Ao aceitá-la nos vemos diante da redefinição de tudo.  Este é um caminho sem volta, pois ela não muda apenas o conceito do que ela é para nós, mas modifica até mesmo a realidade do que somos. Afinal, “a mecânica quântica é muito mais que apenas uma 'teoria', ela é uma forma inteiramente  nova de ver o mundo".

Antes que seja possível nos darmos conta, já estamos apaixonados e obcecados por desvendar todos os seus mistérios.  Não é uma relação simples, de fato, é sempre uma sequencia interminável de inúmeros momentos de infinita felicidade e profundo desespero.  Por mais que aprendemos sobre ela, jamais nos deixará de surpreender.  Mesmo quando já a conhecermos por muito tempo, ela sempre terá o dom de nos trazer algo inesperado ou inusitado, mas aquilo que nos deixa perplexo é também o que nos fascina. No fundo, sabemos que nunca será algo intuitivo, mesmo assim, nunca desistiremos de tentar fazê-la ser. É a nossa natureza se confrontando com a dela.  Algo que nem podemos chamar de amor...  Pois a ligação que surge entre Ela e nós, vai além de sentimentos ou razões ordinárias, exige uma forma de percepção nova que não sabemos qual é, mas temos plena certeza que é completamente diferente de todas nossas formas de percepção conhecidas. 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Tempo de (re)pensar e (re)começar




“Era a melhor das Universidades, era a pior das Universidades, era o casebre da sabedoria, era o palácio da ignorância, era o laboratório  da fé, era o templo da incredulidade, era a fonte da Luz, era o sorvedouro da Treva, era a Primavera da esperança, era o Inverno do desespero, tínhamos tudo à nossa frente, não tínhamos nada à nossa frente, íamos todos diretos para o Paraíso, íamos todos diretos no outro sentido, era um período tão parecido com o que se espera do futuro, que algumas das suas mais magnificas autoridades insistiam ser recebidas, para a  ciência ou para a tecnologia, apenas no grau superlativo de comparação.”



Depois de um longo período sem tempo para escrever em meu blog, me dou o direito de ser pomposo e parafrasear Charles Dickens em um dos seus textos mais inspirados “Um conto de duas cidades”.  Meu último escrito data do período do fim de greve: momento de suspiros aliviados e desejo que tudo  voltasse a normalidade. O trabalho desde então represado de tantas maneiras, surgiu  exclamando urgência e nada mais pude fazer a não ser aceitá-lo de bom grado. Este foi de longe o mais longo dos quadrimestre que tive em  todas as escalas temporais reais e imaginárias. A exaustão se mostra clara nos rostos de todos: alunos, funcionários e professores. O recesso será bem vindo, mesmo sendo parco.... Afinal, temos que começar a pagar a dívida deixada na greve. Precisamos compensar o “tempo perdido”!

A greve não deixou apenas um déficit de aulas, também criou uma lacuna muito grande entre "classes". Até este quadrimestre nunca senti tão fortemente a fissura existente entre alunos e professores. Sobrou um dessabor amargo como ônus das atitudes de “cooperação e contra-cooperação” durante a greve. Talvez, foi um momento de deixar claro que somos todos muito iguais em nossas diferenças. Sinceramente, ainda não sei bem aonde isso tudo irá nos levar. Para mim, foi um tempo de muito trabalho e laboriosa reflexão oriunda deste, ainda não consegui perceber bem o que somos agora como Universidade após essa greve. Atualmente, estou numa fase de buscar intenções e propósito em tudo e todos e, em especial,  em mim mesmo.

Tenho muitos fragmentos de textos,  diversos surgiram durante minhas aulas de um curso de física quântica para o BC&T, outros em meus embates de me tornar  “mais eu” em minha vida pessoal  e também da constante busca de encontrar que tipo de pesquisador eu sou.  Com o tempo, eu vou amadurecê-los e apresentar aqui. O texto de hoje é só para dizer que AINDA existo e que o físico em cubos, também anseia  explorar outras geometrias mais inusitadas, não muito mais que isso... 

Termino desejando boas férias para esta comunidade da UFABC, que como uma família, muitas vezes parece precisar da intervenção de um pai severo e em outras de uma mãe compreensiva. Porém, independente de tantos  percalços e desentendimentos internos, para os “de fora” da família, só permitimos que se mostre o melhor: Parabéns, em especial, aos nossos alunos que foram ao ENADE e nos deram uma ótima reputação. =)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O fim da greve


Aconteceu mais uma assembléia dos docentes da UFABC hoje. Acho que tínhamos o número usual de docentes partícipantes; o que não representa a grande parcela dos contratados, mas é a parcela que se importa em vir e votar... Na UFABC, cerca de 2/3 dos docentes preferem estar em algum outro lugar quando as assembléias ocorrem. Esta assembléia se mostrava diferente das outras já no momento de sua abertura:  Quando anunciando que era da opinião do Comando Local de Greve (CLG) que a greve deveria terminar, todos já percebiam que o fim era um fato e só faltava definir alguns 'detalhes' técnicos.  Após o habitual espaço para comentários, a votação com a óbvia grande maioria votando pela NÃO continuidade da greve. A UFABC decidiu definitivamente deixar aquele campo de batalha... 

Sobre a greve, alguns falavam de vitória moral, outros de empate técnico, muitos pensavam em derrota.  Pessoalmente, não sei bem qual o resultado final. Sei apenas que eu era um dos professor da UFABC, quando ela deflagou a sua primeira greve. A jovem Universidade de apenas 6 anos de existência permaneceu por 93 dias em greve. De um modo ou de outro, isto é história e algo para se pensar... Agora, devemos voltar a normalidade e com ela arcar com as consequências de nossas decisões. É preciso recuperar estes dias parados e o 'como isso será feito?' ainda é uma incognita a ser definida em breve. Não sei o que está por vir, mas imagino que teremos muito trabalho pela frente e a lembrança dos dias de luta