Nas ultimas semanas muito foi dito sobre o futuro câmpus Mauá da UFABC. Entre outras coisas, a celeuma foi reavivada pela autorização de vagas de bacharelados interdisciplinares pelo ministro da Educação. Como muitos sabem, nem mesmo um terreno, onde haverá a UFABC, já foi definido; então, imagine a surpresa. Depois da publicação no diário oficial, tivemos uma dança meio desengonçada de declarações, negações e insistências: de um lado a reitoria dizendo que UFABC planeja o novo de Mauá apenas para 2015 (ou adiante); do outro, políticos e abaixo-assinados de Mauá que gostariam de ‘algo’ de UFABC na cidade já em 2012. (Um milagre a ser anotado: um político realmente empenhado em realizar uma promessa de campanha! Duvido que isso esteja correlacionado ao fato de haver reeleições em 2012; pura coincidência, não?)
Não há dúvida que a UFABC é uma Universidade em plena expansão e está definindo com determinação o seu espaço no cenário do ensino superior de nosso país. Porém, é preciso crescer com responsabilidade e sensatez. Insistir em mais um câmpus provisório, enquanto ainda tentamos resolver os diversos problemas dos improvisos anteriores não parece uma atitude de quem aprende com os próprios erros. O improviso sempre foi uma força impulsionadora para soluções criativas. Porém, quando improviso não é impulso, mas modo operante tudo ao que nos leva é na formação de profissionais igualmente improvisados. Não acho que isso seja o que buscamos na UFABC, não é?
Para os que insistem ainda no câmpus improvisado, sugiro, então, que criemos o bacharelado interdisciplinar BC&P: Bacharelado em Circo e Pão. Assim, nos basta uma grande tenda, com pomposa placa de ‘câmpus provisório’. Obviamente, professores e funcionários teriam que se fazerem de mágicos para colocarem, simultaneamente, três câmpus precários (ops, digo provisórios) para funcionar. Fica a questão: Qual o papel dos estudantes, fadados ao ‘dá-se um jeito’, nesta grande tenda? Prefiro nem mencionar... Pessoalmente, espero que aqueles que insistem neste cenário prematuro e não planejado, nossos bons políticos e suas ambições, definam logo qual será seu real papel neste grande picadeiro.
Sinceramente, não me preocupo com o câmpus Mauá. Sou do tipo otimista e acredito que seremos guiados pela sensatez e bom senso. De fato, temos questões muito mais sérias e alarmantes a definir: Para ser MULTIcâmpus, basta que existam dois, o que já temos e com isso todos os problemas associados. Nossos recursos (humanos, financeiros, equipamentos, etc) são limitados e precisam ser distribuídos entre os diferentes locais. A grande pergunta é como faremos isso: Teremos câmpus em que ‘replicaremos’ nossos cursos, cada qual uma cópia quase idêntica do anterior? Criaremos espaços temáticos (o que soa mais coerente na prática) com cada câmpus tendo sua própria estrutura definida, principalmente, pelos cursos pós-BI que lá serão oferecidos e as pós-graduações associadas.
Essa discussão não é simples, nada simples mesmo. Devemos definir que curso deverá ir para qual câmpus. Com o curso, deverão ser deslocados os professores, os funcionários, os novos alunos, os laboratórios didáticos e, até mesmo, a estrutura de pesquisa. Não se move apenas graduação, mas pós-graduação também. Além disso, como ficariam os alunos atuais dos dois câmpus e suas escolhas de curso? Conseguiremos oferecer a eles o que desejam no seu campus de origem, ou acabaremos dizendo: “Desculpe-me, mas o curso X só é oferecido no câmpus Y, você terá que fazer as matérias lá mesmo.” Aos futuros alunos, muito provavelmente, o alerta já será dado no SISU: ao entrar para a escolha do BI e do câmpus, o aluno já será alertado quais as escolhas pós-BI que poderá fazer se quiser permanecer naquele específico câmpus. Isso poderá limitar, na prática, o ‘leque’ de escolhas de cursos que os alunos poderão fazer em suas carreiras. Quantas coisas a se pensar, quantos meios e regras a definir para fazer com que a UFABC siga este caminho de se dividir em dois câmpus da melhor forma possível. Estas escolhas afetarão a todos nós e, portanto, deveremos participar das discussões e decisões: definir nosso futuro é questão urgente de agora. Acredito que você concorde comigo que com dois câmpus a questão já é complicada o suficiente, ao inserir um terceiro antes de solucionar a questão de dois, estaríamos sendo apenas imaturos e irresponsáveis.
Uma questão ainda mais importante e que atinge o cerne de nosso projeto pedagógico: como lidar com a INTERdisciplinaridade em múltiplos câmpus? Estaremos dividindo os nossos mais importantes recursos em diferentes espaços, estaremos fragmentando nossas torres do conhecimento (literalmente). Será que mesmo assim conseguiremos manter o nosso espirito de unir diferentes áreas e propor novas soluções, se estas áreas estão (fisicamente) dispostas tão à parte. Interdisciplinaridade não nasce em hora marcada, não aparece porque colocaram uma resolução exigindo-a no Boletim de Serviço. Ela vem espontaneamente de uma discussão entre professores de diferentes áreas no cafezinho, alunos comentando questões no final de um seminário, diálogos com técnicos sobre diferentes instrumentos e conversas nas mais diversas reuniões burocráticas que terminam com professores falando sobre pesquisa: “O que você faz mesmo? Interessante, acho que poderíamos trabalhar em algo juntos...” . Então, se percebe que não é mais uma conversa de amigos apenas, mas uma discussão cientifica com novas possibilidades de pesquisa. O que quero deixar claro é que múltiplos câmpus podem afetar negativamente a pesquisa interdisciplinar com a natural segmentação das áreas e uma eventual ‘departamentalização’, que na UFABC é tão combatida. É preciso discutir isto e definir maneiras de evitar que percamos um das características mais belas de nossa Universidade.
Não quero alarmar ninguém com meus comentários, apenas mostrar que há muito para ser discutido e que devemos encarar tudo isso com coragem e determinação. Para finalizar, creio que a UFABC terá um campus Mauá, mas que isso seja feito num momento em que a nossa Universidade esteja consolidada com seus dois câmpus atuais. Queremos uma Mauá construída de forma sensata e bem planejada: sem atropelos desnecessários ou cursos precários para os nossos estudantes. Para a alegria dos políticos haverá um campus pronto (no dia adequado) a ser inaugurado com o corte de faixa vermelha festiva por tesoura cerimonial (quem sabe, até um subir a rampa), discursos eloquentes e muitas poses para fotos e notas para o jornal. Se não vai ser no mandato de uns ou outros. Bem, paciência, certo? Não é melhor escolher o caminho que beneficie a sociedade como um todo do que as ambições pessoais de alguns eleitos (ou futuramente elegíveis)? Eu sei que sensatez e fazer o melhor para todos nem sempre trazem votos; mas, você pode acreditar, que contrõem seres humanos bem melhores: basta tentar.