Do outro
lado do mundo, em um lugar que poucos se aventuram, existe uma cidade esculpida nos penhascos.
Ninguém mais se lembra qual foi o primeiro desbravador que um dia achou que
naquelas pedras duras seria possível construir uma vila. Porém, muitos o seguiram, homens, mulheres e
crianças, que acreditaram que um lar poderia ser elevado naqueles rochedos; uma
morada que ousava tocar as nuvens.
Também
tiveram muitas perdas nos primeiros anos...
Naquelas terras de alicerces inseguros, alguns dos mais ousados viram
suas casas despencando para o profundo azul do mar. Infelizmente, muitos acompanharam
suas malogradas construções neste último encontro com o frio fim de um sonho.
Parece
estranho que um pai decida deixar a segurança do solo firme da planície pelas
incertezas dos penhascos, mas para os que aceitam viver cercados pelas
incertezas sempre resta uma recompensa: Aos criados nas terras de penhascos, o clima,
o solo e as necessidades os agraciaram com uma sabedoria que só germina entre
aquelas que trilham os caminhos mais árduos.
Em
uma altitude que faz o ar ser tão rarefeito, desde a mais tenra idade, se
aprendia o valor do respirar. Estavam sempre conscientes de cada simples
inspiração e expiração, para aproveitar o máximo desta dádiva tão escassa.
Entre as construções sempre haviam traiçoeiras fissuras, que poderiam levar os
mais distraídos a um trágico fim. Os
passos precisam ser bem cuidados, com o
tempo mesmo os mais afoitos aprendiam que a segurança não estava na vigília
tensa e preocupada do andar, mas em ter a atenção adequada aos tempos e
oportunidades da ação e da inação.
Naquela
cidade, a vida era dura e a sobrevivência sempre dependia da força da escalada.
Porém, os homens daquele lugar aprenderam a viajar para dentro de si mesmos
quando lhes parecia faltar a energia que precisavam a sua volta. Até mesmo quando as companhias deixavam de
ser brisa para soar como tornado, eles
sabiam se proteger no abrigo de suas solidões.
Apesar
das dificuldades (ou, talvez, exatamente por elas), estes habitantes sabiam estar abertos para as
dádivas que recebiam da Natureza: o sol da manhã, a beleza de suas paisagens, o
apreço da ventos amenos em dias
escaldantes...
A
experiência de cada cidadão era mantida em sua memórias. Eles sabiam sentir o
seu próprio ser e até mesmo pressentir um ser ainda mais especial que existia
na memória do grupo. Quando exigido, estas memórias eram trazidas e utilizadas
para dar novo folego a comunidade, mesmo nos dias que a escassez predominava.
Além
disso, também sabiam restringir seus impulsos mais imediatos. A cautela e
paciência eram cultivadas com respeito, ainda mais num lugar que um simples
escorregão poderia ser o último. Estes
cidadãos viviam em harmonia e podiam controlar seu tempo, sua energia e seu coração, pois conheciam o
valor de se afastar de sua pretensa intelectualidade e emoções superficiais, na
busca de algo mais profundo e, ao mesmo tempo, mais elevado: uma sabedoria
adquirida no observar do contato do
oceano com os grandes penhascos.
O
único aparente prejuízo para aqueles bravos moradores dos penhascos era a
dificuldade em visitar e conviver com os habitantes das planícies, que
esqueceram a arte de observar os céus e se contentavam com a inércia de
permanecerem sempre no mesmo plano. Para
um andante dos penhascos, a planície era sentida de forma densa e pesada, terra
daqueles que viviam com um horizonte tão limitado e, mesmo assim,
consideravam-se donos da vastidão (Essa era só uma das muitas insanidades dos
moradores das planícies). Mesmo assim, os senhores dos penhascos mantinham o
hábito (e esforço) de visitar as planícies em busca daqueles que, com um ar
oprimido e um olhar furtivo em busca dos céus, mostravam o anseio por novos ares. Era trabalho daqueles que vinham dos penhascos, reconhecer estes deslocados
moradores das planícies e levá-los para a sua cidade nas alturas, dando-lhes a chance de encontrar o novo que
tanto ansiavam. Assimera a vida daqueles que dominaram a arte de viver nos penhascos.