A UFABC, devido à sua estrutura em consolidação, oferece sempre oportunidades curiosas e
desafios inesperados. No último quadrimestre, por razões complicadas e que não
irei relatar aqui, eu me tornei o
Coordenador dos Laboratórios da Disciplina BC0208, denominada Fenômenos
Mecânicos, a também chamada FEMEC. Além da surpresa em me ver coordenador de
uma disciplina que nunca havia lecionado, também me senti apreensivo com toda a
estrutura que eu deveria ‘domar’, digo coordenar.
Apenas para uma vaga ideia: FEMEC é uma disciplina com
parte teórica e experimental interligadas, mas com professores distintos para cada
parte. Nas turmas de teoria temos por
volta de 90 alunos, que são divididos em três turmas para aulas
práticas. A divisão é necessária devido
ao limite de 32 alunos por laboratório. A disciplina contava com uns 1800 alunos distribuídos em 60 turmas
(entre teoria e prática). Para isto, precisávamos de 13 professores alocados para
a parte teórica, 21 professores para a
prática, ainda contávamos com 14 técnicos para nos auxiliar nos laboratórios e
23 monitores (alunos de graduação) que estavam tanto nas aulas práticas quanto
nos plantões de dúvida.
Tínhamos aulas da disciplina em praticamente todos os
horários disponíveis, por exemplo, só de laboratório, ocorriam aulas todas as
manhã de segunda a sábado, todas as
noites de segunda a sexta e ainda aulas nas tardes de quarta. Isso sem mencionar
os horários das aulas teóricas que conseguiam ser ainda mais estranhos. Como coordenar tamanha complicação de tantos
horários, tantas pessoas, tanta infraestrutura requisitada? Sinceramente,
fazíamos uso da intuição e torcíamos para que nada desse muito errado. Mais impressionante ainda, essa não é uma
dificuldade apenas de FEMEC, mas de todas as disciplinas obrigatórias do
BC&T. O número enorme de alunos por
curso, faz qualquer problema ou dificuldade aumentar proporcionalmente. Além disso, ainda devemos dar conta de todas
as outras disciplinas do BC&T e pós-BC&T (nem menciono o BC&H, que possui suas próprias necessidades e números). Portanto, sem um planejamento
adequado, o acréscimo contínuo de alunos e novos cursos nos aprisionará a um sistema de demanda caótica que jamais seríamos capazes de cumprir adequadamente...
Ao fim do quadrimestre, descobrimos se a coordenação
ocorreu satisfatoriamente por meio de poucos tímidos elogios e o silêncio da
ausência de criticas severas. Além
disso, por coordenar tantas turmas, o professor recebe uma pontuação que é
utilizada para a progressão de carreira [Professores também evoluem, algo similar
aos pokémons, mas em nosso caso temos os níveis Adjunto e Associado, além
de números dos 1 ao 4 que os acompanham, e
por fim, Titular – o nível máximo]. Pela tarefa de coordenar um professor recebe 2
pontos, para situar quanto isso vale: Ao publicar um trabalho em revista
científica (qualquer uma), o professor recebe 30 pontos.
Desse modo, alguém pode entender que se o coordenador não
gastasse todo aquele tempo com reuniões, organizando pessoas, preparando
material didático e tudo mais, mas permanecesse em sua sala (ou laboratório)
sozinho fazendo sua pesquisa: a pontuação recebida poderia ser, pelo menos, 15 vezes
maior. Portanto, mesmo nas boas instituições de ensino, podemos ler regras de forma distorcida e tirar uma
‘moral da história’ que não faz sentido: “Ensinar não compensa.” Obviamente,
não é esta mensagem que as regras querem passar. Um professor tem um
compromisso com Pesquisa, Ensino e Extensão e deve saber equilibrar tudo
isso. Entretanto, se você encontrar um professor que se recuse a dedicar um tempo maior que o mínimo requisitado ao ensino e use tal tempo extra para obter bons números, pense bem antes de recriminá-lo. Afinal de contas, ele apenas
está se guiando por certas diretrizes para conseguir os melhores números. Como podemos argumentar contra a verdade dos
números? Aparentemente, uma carreira bem sucedida está muito mais associada aos
grandes números que alguém pode acumular em seu currículo do que ao que ele aprende ou ensina aos outros no caminho. Algo sobre o qual deveríamos refletir, não acha?
Sinceramente, considero minha experiência como coordenador
muito válida e, de fato, recompensadora de muitos modos. Também pude ver que se tentarmos manter o
sistema como está, avançaremos rapidamente para um grande colapso: a
Universidade cresce rapidamente e urge por mudanças. É preciso um grande trabalho para
gerir nossos recursos com sabedoria e, se preciso, fazer alguns sacrifícios
para que as mudanças sejam bem sucedidas.
Esse quadrimestre, serei coordenador de Fen. Térmicos (acho que não
aprendo minha lição tão fácil rsrsrs), principalmente pela oportunidade de
participar de uma mudança de paradigma na organização de tal curso. Acredito na
nova proposta e espero ser parte relevante neste processo. Em um
próximo texto, eu explico melhor sobre este ‘novo fenômeno’.
A UFABC é uma universidade de necessidades quase únicas e,
por isso, precisamos ser criativos nas soluções que implementamos. Estaremos sempre nos equilibrando na tênue linha
entre o tradicional e o inovador. Aos poucos,
aprendemos que algo não é bom apenas porque é novo, do mesmo modo, que só por que não se tentou antes, não quer dizer que não funcionará. Escolhas são sempre
difíceis e as possibilidades infinitas, mas só podemos trilhar um caminho,
portanto, devemos escolher cada passo com discernimento e guiados pelo
aprimoramento da almejada excelência, da qual tanto nos orgulhamos.