domingo, 29 de janeiro de 2012

A mecânica de um fenômeno.



A UFABC, devido à sua estrutura em consolidação, oferece sempre oportunidades curiosas e desafios inesperados. No último quadrimestre, por razões complicadas e que não irei relatar aqui,  eu me tornei o Coordenador dos Laboratórios da Disciplina BC0208, denominada Fenômenos Mecânicos, a também chamada FEMEC. Além da surpresa em me ver coordenador de uma disciplina que nunca havia lecionado, também me senti apreensivo com toda a estrutura que eu deveria ‘domar’, digo coordenar.

Apenas para uma vaga ideia: FEMEC é uma disciplina com parte teórica e experimental interligadas,  mas com professores distintos para cada parte. Nas turmas de teoria temos por volta de 90 alunos, que são divididos em três turmas para aulas práticas. A divisão é necessária devido ao limite de 32 alunos por laboratório. A disciplina contava com uns 1800 alunos distribuídos em 60 turmas (entre teoria e prática). Para isto, precisávamos de 13 professores alocados para a parte teórica, 21 professores para a prática, ainda contávamos com 14 técnicos para nos auxiliar nos laboratórios e 23 monitores (alunos de graduação) que estavam tanto nas aulas práticas quanto nos plantões de dúvida.

Tínhamos aulas da disciplina em praticamente todos os horários disponíveis, por exemplo, só de laboratório, ocorriam aulas todas as manhã de segunda a sábado,  todas as noites de segunda a sexta e ainda aulas nas tardes de quarta. Isso sem mencionar os horários das aulas teóricas que conseguiam ser ainda mais estranhos. Como coordenar tamanha complicação de tantos horários, tantas pessoas, tanta infraestrutura requisitada? Sinceramente, fazíamos uso da intuição e torcíamos para que nada desse muito errado. Mais impressionante ainda, essa não é uma dificuldade apenas de FEMEC, mas de todas as disciplinas obrigatórias do BC&T.  O número enorme de alunos por curso, faz qualquer problema ou dificuldade aumentar proporcionalmente. Além disso, ainda devemos dar conta de todas as outras disciplinas do BC&T e pós-BC&T (nem menciono o BC&H, que possui suas próprias necessidades e números).  Portanto, sem um planejamento adequado, o acréscimo contínuo de alunos e novos cursos nos aprisionará a um sistema de demanda caótica que jamais seríamos  capazes de cumprir adequadamente...  

Ao fim do quadrimestre, descobrimos se a coordenação ocorreu satisfatoriamente por meio de poucos tímidos elogios e o silêncio da ausência de criticas severas. Além disso, por coordenar tantas turmas, o professor recebe uma pontuação que é utilizada para a progressão de carreira [Professores também evoluem, algo similar aos pokémons, mas em nosso caso temos os níveis Adjunto e Associado, além de  números dos 1 ao 4 que os acompanham, e por fim, Titular – o nível máximo]. Pela  tarefa de coordenar um professor recebe 2 pontos, para situar quanto isso vale: Ao publicar um trabalho em revista científica (qualquer uma), o professor recebe 30 pontos.

Desse modo, alguém pode entender que se o coordenador não gastasse todo aquele tempo com reuniões, organizando pessoas, preparando material didático e tudo mais, mas permanecesse em sua sala (ou laboratório) sozinho fazendo sua pesquisa: a pontuação recebida poderia ser, pelo menos, 15 vezes maior. Portanto, mesmo nas boas instituições de ensino, podemos ler regras de forma distorcida e tirar uma ‘moral da história’ que não faz sentido: “Ensinar não compensa.” Obviamente, não é esta mensagem que as regras querem passar. Um professor tem um compromisso com Pesquisa, Ensino e Extensão e deve saber equilibrar tudo isso. Entretanto, se você encontrar um professor que se recuse a dedicar um tempo maior que o mínimo requisitado ao ensino e use tal tempo extra para obter bons números, pense bem antes de recriminá-lo. Afinal de contas, ele apenas está se guiando por certas diretrizes para conseguir os melhores números.  Como podemos argumentar contra a verdade dos números? Aparentemente, uma carreira bem sucedida está muito mais associada aos grandes números que alguém pode acumular em seu currículo do que ao que ele aprende ou ensina aos outros no caminho. Algo sobre o qual deveríamos refletir, não acha?

Sinceramente, considero minha experiência como coordenador muito válida e, de fato, recompensadora de muitos modos.  Também pude ver que se tentarmos manter o sistema como está, avançaremos rapidamente para um grande colapso: a Universidade cresce rapidamente e urge por mudanças. É preciso um grande trabalho para gerir nossos recursos com sabedoria e, se preciso, fazer alguns sacrifícios para que as mudanças sejam bem sucedidas.  Esse quadrimestre, serei coordenador de Fen. Térmicos (acho que não aprendo minha lição tão fácil rsrsrs), principalmente pela oportunidade de participar de uma mudança de paradigma na organização de tal curso. Acredito na nova proposta e espero ser parte relevante neste processo. Em um próximo texto, eu explico melhor sobre este ‘novo fenômeno’. 

A UFABC é uma universidade de necessidades quase únicas e, por isso, precisamos ser criativos nas soluções que implementamos. Estaremos sempre nos equilibrando na tênue linha entre o tradicional e o inovador. Aos poucos,  aprendemos que algo não é bom apenas porque é novo, do mesmo modo, que  só por que não se tentou antes, não quer dizer que não funcionará. Escolhas são sempre difíceis e as possibilidades infinitas, mas só podemos trilhar um caminho, portanto, devemos escolher cada passo com discernimento e guiados pelo aprimoramento da almejada excelência, da qual tanto nos orgulhamos.