sábado, 23 de julho de 2011

Quanto vale um D?





Esta semana, um item do boletim de serviço da UFABC (Sim, eu leio o boletim... rsrs) me chamou bastante a atenção. Era uma discussão no CECS sobre o conceito D em cursos específicos.  Para maior clareza, vou reproduzir o trecho do  texto aqui:

Impacto do conceito "D" nas disciplinas específicas.

Professor Luiz Henrique Bonani posicionou-se contrário à forma pela qual o conceito "D" é aplicado na universidade. Segundo o professor, há incoerência entre o projeto pedagógico e a forma de avaliação adotada. Outro ponto destacado pelo docente é a questão da responsabilidade da UFABC, pois o aluno poderá deixar a universidade com alguma deficiência, que poderá ter impacto em sua vida profissional. O Conselho corroborou as idéias apresentadas pelo professor Bonani e apresentou algumas sugestões. Findo os comentários, professor Gilberto sugeriu o encaminhamento de uma Moção do Conselho à CG para tratar a questão.[Extraído do boletim de serviço- número 173 – ConCECS]

Eu compreendo bem a apreensão dos professores do CECS.  Imagine que você está num avião prestes a decolar e descobre que aquele que o projetou teve um conceito D em Aerodinâmica (ou outra disciplina crucial aos projetistas de aviões); não seria o suficiente para pedir para descer? Se considerarmos que os cursos específicos são o núcleo duro da formação de nossos profissionais, esperamos que eles realmente tenham sido aprovados nestas disciplinas.  Amplio ainda mais a reflexão: não foi mencionado o uso do conceito D nos bacharelados interdisciplinares, mas fica a pergunta: Não seria igualmente perigoso um D nestes cursos?  Afinal, projetar aviões sem compreender o mais básico das leis de Newton não seria igualmente problemático?

O ‘argumento’ para a existência do ‘D’ na UFABC (até onde entendo) é para atenuar o efeito do amplo espectro de ‘especialidades’ que exigimos de nossos estudantes.  Por vezes, um estudante poderia ter um deslize em uma matéria ou outra, que esteja muito longe das habilidades naturais dele e poderia ‘sobreviver’ a tal inconveniência com o conceito D; uma espécie de falha condicional de menor dano.

Contudo, o que fizemos do D? De fato, o que mais me impressiona não é a sua existência, mas uma total falta de coerência sobre seu significado e, ainda mais, sobre seu valor. Pergunta recorrente entre docentes: Quanto vale o seu D? Cada um cria uma tabela em que o D tem um valor médio e um intervalo de validade que pode ser de um pouco mais de um ponto até a largura de um Delta de Dirac rsrs (piadinha de físico, né?). Eu mesmo, escolhi uma tabela de conversão que apresento sempre no primeiro dia de aula aos meus alunos. Gosto de deixar claras todas as regras do jogo antes de iniciar a partida ;-) 

Alguns dizem que o uso da tabela de conversão não é correto e que deveríamos avaliar usando apenas os conceitos: A,B,C,D e F. Há quem diga que faz isso, mas, de fato, tenho certeza que tem uma tabela interna que ele usa, mas não a revela. Afinal, se você faz uma prova e diz:  se acertar todas é A, se errar uma é B... e assim por diante. Isso é uma contagem baseada em quantidades, não é? Portanto, poderia ser facilmente associada a uma escala numérica. Fica a minha pergunta: Como realizar uma avaliação de mérito baseada apenas em qualidade sem utilizar nenhuma validação auxiliar quantitativa de qualquer espécie?  (Aguardo a resposta).  

Mesmo assim, se permanecer a insistência de alguns que o conceito é mais adequado. Então, questiono o porquê da Universidade utiliza CRs e CAs para avaliar e ‘rankear’ os estudantes. Não é uma simples conversão numérica? Afinal, o que o CR tem de mais pedagógico que notas de 0 a 10? Pessoalmente, acho isso bastante incoerente e prejudicial ao aluno: ele obtém uma nota numérica que é convertida em conceito que por sua vez é convertido novamente em número. Só eu enxergo perda de muitos décimos nesta prática? É como receber o sálario em reais, comprar dólares para guardar em casa e vender para ter reais para fazer as compras... Isto não parece um bom negócio para mim.

Concordo que se o aluno não obteve o mínimo de aprendizado requisitado no curso, ele deve ser reprovado. Todavia, questiono o que consideramos ser “o mínimo requerido”.  Vejo muita discrepância nisso, muitos dizem que deve ser assim e docentes devem ter a liberdade de preparar e avaliar os estudantes como consideram mais adequado. Porém, quando se quer fazer 1500 alunos, com os mais variados preparos antecedentes e as mais diferentes expectativas, serem submetidos ao mesmo ensino, deveria dar a eles a chance de receber realmente à mesma ementa de curso e serem medidos pela mesma régua. 

Acho que é preciso uma certa dose de humildade e admitir que não sabemos tudo.  Não é simples concordar, nunca é fácil aceitar que talvez você não vai lecionar exatamente tudo o que gostaria ou vai avaliar exatamente como considera mais adequado, mas é preciso criar ‘uma só moeda e uma só medida’ quando se leciona nestas matérias do BC&T com tantas turmas.  Se você vai lecionar uma matéria de sua escolha, já sabe qual a ementa e deve sim cumprir o que está lá. Se a ementa é considera inadequada, então isto deve ser levado à coordenação do curso e ao CONSEPE e devidamente discutidas as modificações com todos os envolvidos e interessados. Do mesmo modo, se é definida uma forma de avaliar e dito qual o conteúdo médio que o aluno deve aprender (isso sempre deveria ser explicitamente discutido), então todos os professores deveriam aceitar e seguir isso.   Obviamente, isto tira muita gente de sua ‘região de conforto’, mas faz parte de estar construindo algo novo e trabalhando com uma proposta pedagógica como a da UFABC.

Na minha opinião, mais importante que discutir se deve ou não existir um ‘D’ é definir muito bem meios de garantir igualdade de avaliação... Não importa se você cria um sistema baseado em conceito, número, cor ou sabor (não ria: quarks tem sabor! Por que não um sistema quark de notas: top, botton, up, down, strange, charm rsrsrs). O importante é que cada aluno receba a nota justa pelo que aprendeu independente de quaisquer outros fatores. Caso, ele não tenha aprendido o suficiente, que refaça a disciplina até aprender. Acima de tudo, nossos primeiros estudantes irão para o mercado de trabalho com a difícil missão de definir o que é um aluno da UFABC para o mundo.   Precisamos preparar todos os alunos do mesmo modo para que mostrem seu próprio valor como profissionais competentes, independente do nome que damos aos conceitos de avaliação que usamos. 

Todos nós percebemos os ventos de grandes mudanças em um futuro próximo.  Os novos representantes que estão sendo eleitos para coordenações dos cursos, conselhos de centro e conselhos superiores irão apresentar e discutir muitas modificações na forma como as coisas tem sido feitas: ementas de disciplinas, conceitos de avaliação, trancamentos, número máximo de créditos e tantos outros assuntos estarão em pauta em breve. Isto é ótimo, o nosso modelo de Universidade necessita de continua transformação e as devidas correções para funcionar melhor. Devemos estar conscientes das discussões que estão ocorrendo e exigir que elas sempre sejam guiadas para nos levar a um modelo coerente e que priorize a excelência na formação de nossos alunos e, por que não, dos professores (sim, nós também estamos aprendendo neste processo).  A UFABC é uma Universidade em consolidação e como tal precisa de muita atenção para que não nos percamos em discussões infrutíferas ou decisões que lamentaremos no futuro. Trabalhamos duro para criar não apenas mais UMA universidade, mas sim A universidade que deverá ser um modelo de um novo modo de formar profissionais.  

domingo, 10 de julho de 2011

Um cubo de SETE faces




Na Universidade há diversas épocas críticas e tensas. Um dos períodos mais complicado é o da matrícula, que sempre trás mal-estar a todos. Os sintomas surgem nos docentes, discentes e funcionários (principalmente, os da PROGRAD tão ‘lembrados’ neste período): irritabilidade, preocupação com o futuro, tentativa de adequar novos horários a velhas rotinas, questionamento de regras e formas de atribuição. Poderíamos até mesmo nomear, com toda a razão, de Tensão Pré Matricula (TPM).  No caso da UFABC, isso é ainda mais crítico porque temos três períodos destes por ano, efeito natural de nosso sistema quadrimestral.


De certo modo, o problema é similar às enchentes do nosso caro Tamaduateí: todos nós sabemos que no verão haverá chuvas e, possivelmente, enchentes. A prefeitura deveria cuidar para que o aumento do nível do rio não trouxesse tantos problemas. Contudo, sempre há problemas... Nossa tendência é considerar que a incompetência do governo é a responsável, o que em parte é bem verdade. Mas quando você passeia perto as margens do rio e observa muito lixo, pneus e, até mesmo, um sofá inteiro?!?  Começa a questionar: Mas precisava mesmo jogar o sofá no rio?  De fato, a prefeitura é a responsável, mas não faz mal cada pessoa evitar tornar o problema ainda mais complicado, não acha?


O paragrafo anterior era apenas para construir o paralelo com o que acontece na UFABC durante a matrícula. O processo de matrícula envolve praticamente todas as pessoas da UFABC e não é nada simples...  Apenas para colocar alguns números, no quadrimestre passado foram oferecidas 813 turmas (apenas na graduação). O número de disciplinas e turmas por quadrimestre tem crescido assustadoramente e de forma muito mais acentuada do que a contratação de novos docentes!


Todo o processo de matrícula começa com PROGRAD e Coordenações dos cursos apresentando as matérias que serão oferecidas, que são decididas seguindo o projeto pedagógico de cada curso, demandas reprimidas de certas disciplinas e requisições dos estudantes. Nós docentes, recebemos uma lista prévia das disciplinas, da qual escolhemos 5 delas (3 do BI e 2 de cursos pós-BI) ainda sem definir horário, para que o coordenador do curso, depois a direção do centro e, por fim, a PROGRAD definam as disciplinas e número de créditos de cada professor. Em paralelo a isso, também é definido o horários de cada disciplina e, principalmente, sala ou laboratório em que será ministrada. Algo crucial porque ainda estamos em construção e o espaço para lecionar é limitado. Isto faz importante a possibilidade de ocupar todos os horários, inclusive sextas à noite e sábados durante o dia...  Em que ninguém gosta muito de lecionar ou estudar, mas não fecharíamos a atribuição de créditos (em especial, para cursos do noturno) sem essa opção.


Ouvi muitas vezes dos alunos da UFABC que fazer a grade do quadrimestre é como “brincar com um cubo mágico: quando você acerta um lado, acaba desarranjando o outro”. Saiba que a atribuição é um CUBO DE SETE FACES para todos nós!  Neste aspecto, os alunos recebem uma lista que consta de centenas de turmas das mais diversas disciplinas obrigatórias, opção limitada ou livres e que devem se acertar em sua semana. Lembro ainda que muitas vezes os alunos tentam seguir mais de um curso (pelas regras, um aluno pode se matricular em até três cursos pós-BI) que muito possivelmente tem conflitos de grade, uma vez que cada coordenação define seus horários independentemente e fica bem difícil prever exatamente que disciplinas não deveriam conflitar. A UFABC permite uma grande liberdade de escolha, mas não somos capazes de prever todos os anseios dos estudantes, mesmo porque alguns nem seguem um plano bem claro de disciplinas a cursar. 


Uma complicação ainda maior em questão aos alunos é o trancamento, muitos alunos tem consciência disso como percebi num texto que li no Facebook outro dia e que me inspirou a escrever este texto. Pelas regras um aluno pode trancar até duas matérias. Isso faz com que o aluno considere que ele deve se matricular em N+2 disciplinas, ou seja, ele inflaciona a demanda que chega a PROGRAD em 2 turmas... Parece pouco, mas se os  mais de 3000 alunos fazem isso, o que teremos são turmas que começam com 30 alunos e terminam com apenas 6 (eu já vi isso algumas vezes). Podemos considerar que a Universidade está tendo um prejuízo de 24 vagas abertas não utilizadas. Além disso, foi necessário atribuir um número muito maior de turmas para o docente lecionar.  Nem é preciso dizer que, com o aumento da quantidade é bem comum uma queda de qualidade. Outro ponto é o valor de N, que alguns alunos consideram que o importante é preencher o máximo possível sua grade. De fato, acredito que cada aluno deve avaliar seu ritmo e capacidade e se matricular num N que permita a ele cumprir bem com as disciplinas e ainda ter uma vida saudável. Antes fazer 4 matérias e obter As e Bs, que 8 matérias com Ds e Fs, o seu CR vai agradecer e você bem sabe como o CR é importante na dinâmica de ICs, monitorias e outros direitos UFABCianos.


Os professores também tem sua parcela de culpa. Obviamente, ninguém gosta de dar aulas aos sábados e muitos têm problemas com aulas noturnas. Porém ao ser contratados pela Universidade, aceitamos a dedicação exclusiva e com ela a possibilidade de lecionar de segunda a sábado em qualquer horário (e até mesmo mais de um câmpus). Mesmo que haja questões ligadas à vida pessoal, isso não deve interferir com o trabalho. Todos os professores tem a obrigação de cumprir com sua carga didática nos horários que são precisos, não naqueles que eles preferem. Afinal, os que não têm ‘tantos problemas pessoais’ não devem ser obrigados a se encarregarem sempre dos ‘horários ditos ruins’. Claro, que sempre que possível, os horários de aula devem ser ajustados de forma que não afetem tanto a pesquisa e assuntos de outras obrigações. Porém, nem sempre é possível fazer o melhor para todos... Acima de tudo, devemos assumir certas soluções de compromisso, algo que não seja tão ruim para alunos e professores.


As coordenações dos cursos também devem ter o cuidado de primeiramente oferecer as disciplinas designadas em seus quadrimestres ideais. Os alunos que seguem “religiosamente” a grade sugerida devem ser privilegiados. Além disso, ouvir o que os alunos querem fazer (principalmente, para disciplinas livres) é algo importante. Não faz sentido algum abrir uma disciplina que nenhum aluno está interessado em cursar.  As novas coordenações eleitas tem, em muitos casos, a presença de discentes, o que deve tornar o processo de ‘ouvir o estudante’ mais eficiente.  Mesmo naquelas que não há discentes, os alunos precisam apresentar suas necessidades específicas ao coordenador, desde que as reinvindicações sejam razoáveis e apoiadas por um bom número de estudantes, não há como o coordenador não ouví-las.


A PROGRAD tem o papel de ser JUÍZ e EXECUTOR, o que não é nada fácil. Acima de tudo, naquela mesa é que devem ser gerenciados os conflitos entre Direções dos três Centros, docentes e discentes. Acima de tudo, deve ser lembrado que a oferta de disciplinas não é uma disputa entre professores e estudantes. Não é uma batalha em que deverá haver um ganhador e um perdedor. Muito pelo contrário, é um acordo de parceria entre professores e alunos na busca de construir um ambiente de harmonia em que todos possam buscar sua excelência e alcançar seus objetivos de forma mais eficiente.


Para terminar, eu ainda aguardo para saber qual disciplina irei lecionar no próximo quadrimestre, também não faço ideia de quantos créditos terei ou quais serão meus horários de aula, sei que isso é desgastante e me deixa cheio de incertezas, principalmente, quando lembro que devo acertar o ‘cubo de horários’ com todas as minhas obrigações de pesquisa, extensão e as outras esferas de minha vida.  Contudo, devemos agir e decidir sempre com discernimento e maturidade. É claro, que a PROGRAD tem suas obrigações e muita responsabilidade no processo, mas nós, docentes, discentes e funcionários, podemos ajudar muito apenas evitando ‘jogar sofás no rio’ quando realizamos nossas escolhas.