sexta-feira, 5 de novembro de 2010

História de Perséfone

Detail of Bernini's Pluto and Persephone [John Heseltine (c) Dorling Kindersley, 
Courtesy of the Museo e Galleria Borghese, Rome]


Hades era um deus solitário e absoluto em seus reinos... Um dia caminhava pela superfície tentando respirar novos ares e viu a bela Perséfone a colher flores. O senhor dos mundos inferiores não pensou duas vezes, mandou as regras ao inferno, e raptou a jovem e pura moça.

Os reinos inferiores tomaram um novo tom com a presença de tão delicada garota e até os Tártaros eram mais Elísios... Contudo, a triste Deméter jogou a Terra em calamidade; tamanha a saudade de sua filha. Zeus, que era um administrador consciente, obrigou Hades a devolver a moça; já não tão pura, pois das romãs de Hades ela havia comido.

Agora a garota pertencia parte à Terra e parte aos mundos inferiores; quanto a isso nem Deméter poderia se opor. Era a nova lei: Perséfone dividiria seu tempo entre os dois mundos. Seis meses com sua mãe a desfrutar o amor familiar, nestes tempos Deméter feliz e de bom humor fazia do clima Primavera e Verão. Nos outros meses, no mundo inferior vivia a jovem Perséfone junto de Hades, aquele que ela aprendeu a amar. Neste período, Deméter compartilhava sua tristeza com o mundo, assim surgia Outono e Inverno.

Porém, no coração de Hades as estações eram trocadas: Aguardava durante toda a estação quente com o frio no coração da incerteza sobre a volta de sua amada. Quando a Terra se tornava toda gelo, Hades ardia em felicidade.... Incompatibilidade dos opostos que se complementam, tal qual luz e escuridão.

Feliz era Hades, que tinha uma amada em seus braços, ao menos, SEIS MESES por ano...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Lembre de seus Mortos

Dia de Finados torna inevitável falar de Morte. Não falo apenas da morte casual que aparece todos os dias no jornal engordando estatísticas e arrancando de nós aqueles comentários  “Nossa, onde este mundo vai parar” entre o “Acho que chove amanhã” e o “Mas você viu o que aconteceu no BBB (ou qualquer reality show da moda) ontem”. Também falo da Morte, aquela que respeitosamente representa o fim de tudo; pior, o fim daquelas pessoas que convivem conosco e com as quais realmente nos importamos profundamente.
Quando alguém próximo de nós morre é levado pela Morte com M maiúsculo, aquela que não pode ser de todo entendida e nos deixa em revolta, aquela que não aceitamos que seja apenas acrescentada às estatísticas. Quando a Morte vem (seja natural, por acidente ou incidente, isso pouco importa) a alguém que você ama, não leva apenas o conviver com essa pessoa, mas também traz a realidade que evitamos considerar: A Morte nos espreita e cancela quaisquer planos, idéias, desejos e esperanças; bilhete azul final para o qual não há apelação e quase nunca dá aviso prévio.
Falar de Morte é, quase sempre, falar de perder; não como em um jogo ou algo assim. Perder no sentido de deixar de ter da forma mais dramática possível. Basicamente, podemos perder tudo. O único pré-requisito é ter tido o objeto, a pessoa, o sentimento, a (o) "qualquer coisa" antes. Clara exceção é o "juízo", é muito fácil perder o juízo, mesmo para aqueles que nunca, de fato, o tiveram (mas isso é tópico para outro post).
Infelizmente, ao envelhecer vamos somando nossas perdas sempre num desesperador crescente. Contudo, acho que entre todas as perdas que já tive, a do meu pai é a que ainda ecoa mais forte em minha vida. Falo de uma dor realmente grande, tão grande que quase sempre não falo sobre ela, uma ausência tão profunda que quase sempre olho para o outro lado para tentar não ver. Porém, certas datas, como a de hoje, são um gatilho natural para a lembrança e, então, é preciso falar (ou escrever)...
Oito anos atrás, mais ou menos nesta época, meu pai que não estava muito bem de saúde, piorou bastante e faleceu. Falência múltipla de orgãos, ou algo assim; um desses muitos nomes técnicos que os médicos dão para a morte. Fui forte, cuidei dos detalhes do enterro, flores, caixão, cerimônia, minha família. Contive as minhas lágrimas até o último minuto... Então, quando vi a lápide sendo colocada, essa foi a "última gota do copo" e a minha primeira lágrima, de muitas.

Uma coisa que ficou marcada profundamente em minha mente é que em algum canto (alguma casa ao redor do cemitério) alguém ouvia a música "Viver e não ter vergonha de ser feliz" (Gonzaguinha). Enquanto ficava claro para mim que eu perdia meu pai para a Morte, tocava baixinho uma música dizendo para celebrarmos a vida... Naquele momento achei isso triste e irônico, parecia uma piada de mau gosto. Até hoje, choro quando ouço essa música, o que é mais estranho ainda: agora eu a associo a morte. Momentos quase cômicos já surgiram por causa desta música entre amigos e em barzinhos.
Não posso dizer que tive uma relação modelo com meu pai, tínhamos muitos desentendimentos. Minha mãe sempre disse que tínhamos essas diferenças porque meu pai e eu éramos muito iguais; talvez fosse verdade. O fato é que eu o amava e sei que ele me amou muito. Não esse amor besta de dia dos pais em busca de um presente a contento. Digo aquele amor que desafia e supera; que implica e faz querermos provar o que é possível ir além. Eu cresci muito em cada desafio que ele me fez, eu sempre tentava me superar e mostrar que eu estava fazendo o meu melhor.

Voltando àquela música, eu disse que achei uma piada ruim naquela época. Hoje, considero um bom conselho. Diante da MORTE ou qualquer outra coisa, tudo que podemos fazer é VIVER e, de preferência, nos felicitarmos por estarmos vivos. Bem, meu pai está morto e o presente que posso dar a ele é continuar vivendo e fazer o melhor que posso de minha vida (o que venho tentando arduamente). Acredito que este é o presente que qualquer pai deseja: que seu filho faça o melhor e seja feliz. Isso é o máximo que chegarei de um pensamento profundo e talvez útil a você. De resto, este é um
post choroso e confessional; nada mais.
Eu disse que sofro muito com a perda de meu pai e muitas vezes tento não pensar sobre o assunto. Entretanto, sempre vejo algo de meu pai em mim. Quando olho no espelho vejo um pouco de seus traços, um pouco de seus olhos e em minhas atitudes também. Minha mãe vive dizendo: "Você está agindo igual ao seu pai...". Obviamente não em tudo, somos pessoas diferentes que seguem diferentes destinos no tempo e espaço. Como um pintor que a cada obra traz algo novo, mas se observamos bem o traço percebemos que há sua assinatura, mesmo que apenas sutilmente assinalada. Há uma suave assinatura de meu pai em quem eu sou; este foi o grande presente que ele me deixou e que me acompanhará por toda minha vida. Enquanto sigo adiante. Enquanto faço de minha vida um presente a memória de meu Pai; algo para que ele se orgulhe, esteja onde estiver.
Por isso, minha mensagem final para este dois de Novembro é celebre e honre seus mortos: VIVA E NÃO TENHA VERGONHA DE SER FELIZ!