Na típica limpeza de começo de ano do HD de meu computador , me deparei com este texto que havia escrito para uma edição da revista eletrônico "Contraste", que era editada por um grupo de alunos da UFABC e na qual eu escrevia uma seção chamada "Do Covil do Cavaleiro". Infelizmente, ela foi descontinua com um período curto de vida. Assim, meu segundo texto acabou nunca sendo publicado. Por diversos motivos, entre eles mencionar um colega professor da UFABC que nos deixa para seguir para a Unicamp, eu deixo o texto aqui. Afinal, mesmo palavras fora do seu tempo podem trazer uma mensagem atual para alguns. =) [para ver o primeiro texto que foi publicado: http://migre.me/d4mSx]
Seção: Do covil do
Cavaleiro.
Título: Fenômenos: não
os tema, mas os respeite.
O excesso de trabalho sobre os
ombros de todos resultaram nesta edição surgindo um pouco depois do início do
quadrimestre. Mesmo assim, vou manter a promessa de comentar sobre um grupo de
disciplinas que, por vezes, causa certo horror aos jovens ingressantes: os
Fenômenos.
Transcorridas mais de duas
semanas deste terceiro quadrimestre, não há mais grandes surpresas: Professores
bem definidos em suas disciplinas e nas outras atividades de pesquisa e
extensão. Afinal, a UFABC não poderá ser
uma das 100 melhores só com o charme de nossos olhos.
Do outro lado, os alunos já sabem
razoavelmente o que os aguarda no típico ritmo acelerado dos cursos que precisam
ser concluídos em 12 semanas. Conhecidos
os professores, ficam claras as regras do jogo e se esse período será traçado por ‘caminhos suaves’ ou tortuosas
trilhas desconhecidas na busca por conhecimento e aprovação.
Os ingressantes, já não tão calouros
como antes, iniciam todas as disciplinas que não são mais ‘bases’, mas ainda
fundamentos. Eu os alerto que agora a Universidade
começa para valer: As bases sugerem que vocês não são mais crianças de colegial,
mas são as FUVs, GAs e FEMECs que iniciam o processo de fazê-los homens (e
mulheres) universitários de verdade.
Como Físico, preciso falar dos
fenômenos, que obrigatórios, temos três:
Mecânicos, Térmicos e Eletromagnéticos. O
primeiro reverencia ao grande Newton, o segundo faz jus aos muitos senhores do
calor (Boyle, Carnot, Boltzmann, etc) e o terceiro glorifica ao esplêndido
cientista-poeta-e-muito-mais Maxwell. Os fenômenos não são apenas a
compartimentação do ‘núcleo duro’ da física clássica no BC&T, mas o tecido
básico da natureza que se apresenta aos nossos olhos.
A palavra fenômeno costuma se
associar ao extraordinário ou incomum. Não é à toa que a usamos aqui. Por
vezes, dependendo da forma que olhamos, a natureza é vista como uma sucessão de
milagres ou apenas a manutenção das leis básicas da física. A maneira como você
interpreta é discutível, mas para entendê-la não há fuga: é preciso compreender
o fundamental.
Os Fenômenos se apropriam de
palavras comuns e expressões coloquiais para se definir e constituir: trabalho,
momento, energia, coerência, discórdia... Em Física, tudo beira o incrível até
se aceitar que é apenas o natural. Talvez seja essa apropriação peculiar de
palavras e conceitos, juntamente com muita matemática laboriosa, que faz dessas
disciplinas um material de tão difícil digestão.
Apenas para dar o ar de seriedade
(e, talvez, dos problemas) das disciplinas de Fenômenos: Nos eletromagnéticos,
a reprovação é de 49%, ou seja, efetivamente é como se, ao se matricular, você
lançasse uma moeda e a face que surge aos seus olhos ditasse se seria aprovado
ou não. Assustado? Eu espero que não. Porém, a UFABC em sua ânsia de formar os
melhores, por vezes, usa a “técnica do rio para criar bons nadadores”: Você
joga a criança no meio do rio, se ela sair: então, aprendeu a nadar.
Isso abre caminho para o
aparecimento de alguns cavaleiros também (essa é a coluna do covil; portanto, a
menção aos cavaleiros é quase obrigatória): Este tipo de cavaleiro não nasce do
anseio de fazer o mal, mas da urgência de ensinar com rigor os fundamentos da
ciência. Ao menos, essa é uma das classes de cavaleiros. Portanto, a busca por excelência da UFABC é o
que nutre o comportamento ‘cavaleriano’ de alguns.
Por fim, deixo meu conselho: trabalhe com afinco e perseverança e os
fenômenos serão fonte rica de conhecimento e, quem sabe, diversão. Tenha
confiança, você verá que depois da Tempestade surge a Bonança (e isso nem foi
um trocadilho rs).
Dada a menção do 'trocadilho', aproveito este texto para falar do professor Marcus Bonança, que deixa a UFABC e continua a sua jornada agora na Unicamp. O Bonança é um professor bem conhecido de muitos alunos, funcionários e professores. Confesso que é um amigo que fará falta na UFABC por inúmeras razões, mas desejo que conquiste tudo o que necessita nesta nova etapa de sua carreira.