sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Tempo de (re)pensar e (re)começar




“Era a melhor das Universidades, era a pior das Universidades, era o casebre da sabedoria, era o palácio da ignorância, era o laboratório  da fé, era o templo da incredulidade, era a fonte da Luz, era o sorvedouro da Treva, era a Primavera da esperança, era o Inverno do desespero, tínhamos tudo à nossa frente, não tínhamos nada à nossa frente, íamos todos diretos para o Paraíso, íamos todos diretos no outro sentido, era um período tão parecido com o que se espera do futuro, que algumas das suas mais magnificas autoridades insistiam ser recebidas, para a  ciência ou para a tecnologia, apenas no grau superlativo de comparação.”



Depois de um longo período sem tempo para escrever em meu blog, me dou o direito de ser pomposo e parafrasear Charles Dickens em um dos seus textos mais inspirados “Um conto de duas cidades”.  Meu último escrito data do período do fim de greve: momento de suspiros aliviados e desejo que tudo  voltasse a normalidade. O trabalho desde então represado de tantas maneiras, surgiu  exclamando urgência e nada mais pude fazer a não ser aceitá-lo de bom grado. Este foi de longe o mais longo dos quadrimestre que tive em  todas as escalas temporais reais e imaginárias. A exaustão se mostra clara nos rostos de todos: alunos, funcionários e professores. O recesso será bem vindo, mesmo sendo parco.... Afinal, temos que começar a pagar a dívida deixada na greve. Precisamos compensar o “tempo perdido”!

A greve não deixou apenas um déficit de aulas, também criou uma lacuna muito grande entre "classes". Até este quadrimestre nunca senti tão fortemente a fissura existente entre alunos e professores. Sobrou um dessabor amargo como ônus das atitudes de “cooperação e contra-cooperação” durante a greve. Talvez, foi um momento de deixar claro que somos todos muito iguais em nossas diferenças. Sinceramente, ainda não sei bem aonde isso tudo irá nos levar. Para mim, foi um tempo de muito trabalho e laboriosa reflexão oriunda deste, ainda não consegui perceber bem o que somos agora como Universidade após essa greve. Atualmente, estou numa fase de buscar intenções e propósito em tudo e todos e, em especial,  em mim mesmo.

Tenho muitos fragmentos de textos,  diversos surgiram durante minhas aulas de um curso de física quântica para o BC&T, outros em meus embates de me tornar  “mais eu” em minha vida pessoal  e também da constante busca de encontrar que tipo de pesquisador eu sou.  Com o tempo, eu vou amadurecê-los e apresentar aqui. O texto de hoje é só para dizer que AINDA existo e que o físico em cubos, também anseia  explorar outras geometrias mais inusitadas, não muito mais que isso... 

Termino desejando boas férias para esta comunidade da UFABC, que como uma família, muitas vezes parece precisar da intervenção de um pai severo e em outras de uma mãe compreensiva. Porém, independente de tantos  percalços e desentendimentos internos, para os “de fora” da família, só permitimos que se mostre o melhor: Parabéns, em especial, aos nossos alunos que foram ao ENADE e nos deram uma ótima reputação. =)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O fim da greve


Aconteceu mais uma assembléia dos docentes da UFABC hoje. Acho que tínhamos o número usual de docentes partícipantes; o que não representa a grande parcela dos contratados, mas é a parcela que se importa em vir e votar... Na UFABC, cerca de 2/3 dos docentes preferem estar em algum outro lugar quando as assembléias ocorrem. Esta assembléia se mostrava diferente das outras já no momento de sua abertura:  Quando anunciando que era da opinião do Comando Local de Greve (CLG) que a greve deveria terminar, todos já percebiam que o fim era um fato e só faltava definir alguns 'detalhes' técnicos.  Após o habitual espaço para comentários, a votação com a óbvia grande maioria votando pela NÃO continuidade da greve. A UFABC decidiu definitivamente deixar aquele campo de batalha... 

Sobre a greve, alguns falavam de vitória moral, outros de empate técnico, muitos pensavam em derrota.  Pessoalmente, não sei bem qual o resultado final. Sei apenas que eu era um dos professor da UFABC, quando ela deflagou a sua primeira greve. A jovem Universidade de apenas 6 anos de existência permaneceu por 93 dias em greve. De um modo ou de outro, isto é história e algo para se pensar... Agora, devemos voltar a normalidade e com ela arcar com as consequências de nossas decisões. É preciso recuperar estes dias parados e o 'como isso será feito?' ainda é uma incognita a ser definida em breve. Não sei o que está por vir, mas imagino que teremos muito trabalho pela frente e a lembrança dos dias de luta


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Greve ainda...





A greve da UFABC já completa seus 87 dias... Já passamos a muito tempo do sentimento de “contentamento” em fazer o certo.  Nos corredores, o peso de inúmeras opiniões conflitantes tornam a atmosfera de nossas torres densa.  Mesmo nos momentos mais descontraídos de conversas em torno da máquina de café, sempre retornamos as mesmas questões:  um possível retorno a negociação com o governo, o possível fim da greve ou a quase (im)possível reposição das aulas perdidas... 

Semana a semana, a esperança sempre esteve presente. Mesmo após a primeira e difícil “oferta” do governo (http://migre.me/awc4d), ainda se esperava que pessoas sensatas sentariam juntas para chegar a um consenso... Entretanto, esperar bom senso a cada dia parece um sonho mais inverossímil.  Como disse Descartes: "O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: todos pensamos tê-lo em tal medida que até os mais difíceis de se contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que têm."  Assim, aguardamos de governantes, que insistem em não nos ouvir, uma resposta para as exigências sindicais, que nem sempre representavam as nossas vozes.  Algo como um show de mímicos para uma platéia cega...  Além de tudo, lidamos com uma população estarrecida pela impertinência de não pararmos a greve mesmo com aumentos de até 45%... Peripécias numéricas governamentais para iludir aqueles que não leem as letras pequenas. 

O cansaço é generalizado e muito difícil de evitar. Por um lado, sabemos que a luta é justa, mas por outro vemos o tempo passar e o anseio da volta a normalidade, aulas e tudo mais soa muito forte.  A greve nunca foi uma unanimidade, porém era consenso de muitos que ela era necessária.  Entretanto, a cada semana que ela se estende, mais difícil é mantê-la.  Mesmo a mais forte das convicções acaba enfraquecida ao esperar tanto daqueles que parecem não se importar com o que esperamos.

Independente de quando a greve acabar, houve conquistas... Não falo dos parcos “ganhos” oferecidos pelo Governo. A primeira greve da UFABC trouxe um aprendizado em ser mais consciente das entrelinhas das conversas governamentais e mesmo discursos aclamados de colegas.... Talvez, não tenhamos sido ouvidos como gostaríamos, mas aprendemos a ouvir e ver bem além do que o mero acreditar em boas intenções e promessas. Aprendemos a nos colocar em posição firme para exigir o que queremos, aprendemos a nos organizar e discutir o que for preciso... Alguns mais, outros menos, mas todos aprendemos alguma coisa de algum modo com esta greve. 

Também sabemos que a greve traz seu ônus, que nos será devidamente cobrado e não iremos nos recusar a pagá-lo, isso faz parte do processo.  Enquanto escrevo este post, começa mais uma assembléia dos professores em nosso emblemático piso vermelho. Provavelmente, teremos muitos professores avidos em colocar em evidência suas opiniões. Talvez, uma assembléia tão cheia quanto aquela na qual a greve foi deflagrada.  Contudo, agora as mãos estarão mais divididas, algo que também faz parte desse processo. Não sei qual será o resultado no fim dessa manhã, se nós iremos aceitar o fatídico dia 31 de Agosto ou a greve prosseguirá um pouco mais (quanto mais, quem poderá saber? Pergunta que não se cala...).  Entretanto, não tenho dúvida que nesta greve foi “combatido o bom combate” e o vitorioso nem sempre é aquele que subjuga o inimigo,  mas quem termina com o rosto erguido e orgulhoso de seus atos.

****  - EDITADO -  ****

Terminada a assembléia, a votação foi de 80 docentes a favor da continuidade da greve, 61 docentes contra  e 6 abstenções... Desse modo, prevalece a UFABC em greve, pelo menos, até a próxima assembléia que será dia 6/9.  Assim, empurramos um pouco mais o retorno a normalidade... E a faixa UFABC em GREVE permanece no bloco B. Contudo, a cada semana menor é a parcela daqueles que apoiam essa decisão.  Os quase 500 professores da UFABC permanecem ainda parados, devido a uma decisão democrática com uma diferença de 19 votos. Como sempre, as decisões são tomadas por aqueles que comparecem e se importam... O que será que os quase 350 professores restantes acham de tudo isso? 


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Uma proposta que soa como ofensa.


- A greve na UFABC - 



No inicio foi a euforia das mãos erguidas: a Greve chegava, depois de tantas conversas de corredores e opiniões dispersas em e-mails e redes sociais; era dia 05 de Junho de 2012. Os primeiros dias foram passando, enquanto docentes alunos e funcionários vislumbravam o que era a greve: quais atividades paralisar, como e o que ser em tempos de Universidade Parada. Muitos acreditaram que a entrada da UFABC no movimento traria outra energia ao processo. Afinal, esta era uma universidade símbolo deste governo, que se beneficiou tanto da propaganda da expansão universitária. Quantas vezes não recebemos o senhor Luiz Inácio (LULA) da Silva em nossos câmpus com seu discurso inflamado sobre a importância desta universidade para a região e o país. Talvez, o governo sucessor não compartilhe desta animação Lulistica toda: passamos de cinquenta instituições federais em greve com a entrada da UFABC e, mesmo assim, nada parecia ter mudado na estratégia de nosso governo. Provavelmente, deveríamos ter feito mais perguntas ao nosso “mentor” Lula, em especial, como ser bem sucedidos em greves, com a vasta experiência dele, possivelmente não teríamos chegado à marca de quarenta e dois dias de greve na UFABC e mais de dois meses na contagem das outras federais.

O tempo passou veloz na espera de alguma sensibilização de nosso governo, que ainda deveria ter alguma lembrança do que é uma luta pelos direitos de uma classe; aparentemente, foram mensalões e esquemas escusos demais para restar este tipo de pudor ou consciência.   Fomos taxados de precipitados, fomos largados em um canto escuro da quase total apatia de nossa PresidentA, seus ministros e uma mídia com assuntos de maior popularidade a relatar. Não somos metroviários, médicos ou alguma outra classe de trabalhadores que, ao parar, cause o Caos na cidade. Apenas o conhecimento ficou estancado e alunos tendo que vivenciar um período de ausência de aulas forçado.  O que poderíamos fazer? Houve protestos, houve barulho e quase sempre isso pouco efeito fez em um governo que parece preferir que a Educação não seja mesmo uma prioridade: mentes vazias são sempre mais fáceis de moldar às conveniências politicas! Nem o período de eleições para as prefeituras parecia impor qualquer urgência ao governo, mesmo com um candidato, que foi ex-ministro da Educação, pleiteando o governo de uma das maiores cidades do país.  Creio que consternação é  o que todos nós sentimos ao perceber que nada parecia acontecer e ninguém se importava com isso... Triste realidade de um país anestesiado com tantas barbaridades para prestar atenção ao que tínhamos a dizer.

Até agora a resposta do governo se resumia a um inconveniente silêncio típico daqueles que parecem não ter nada a perder...  Contudo, na sexta feira 13, veio uma proposta de nosso governo (que resisto em chamar de nefasto, apesar de o adjetivo soar bem conveniente para data e ocasião).  A proposta deve ter sido cunhada por publicitários em vez de economistas ou profissionais especializados em educação.  Ela surge com aumentos em letras garrafais que estampam muito bem jornais como Estadão e Folha e parecem ser a solução generosa do governo em sites como G1 e outros.  Contudo, há muitas letras miúdas nesta proposta, que podem passar desapercebidas aos mais desavisados. A NOVA proposta do governo nada mais é que o parafrasear de uma antiga proposta ruim, com algumas pioras. Nem de longe atende as reivindicações da classe, mas é um contrato de escravidão e requisição de nosso silêncio por um período de mais TRÊS ANOS, quando o aumento que prometem não terá nem mesmo ressarcido as nossas perdas com a inflação no período... Ainda pior, é o plano de carreira em que disfarçam o rebaixamento gradual daqueles que se dedicaram ao ensino-pesquisa.  Criaram classes inferiores com salários muito mais baixos, dificultam ainda mais a ascensão do profissional em sua carreira. Se a UFABC já sofre com 35% de concursos para novos professores terminando sem candidatos aprovados, prevejo que isto aumentará muito mais com o tipo de condição que o governo quer impor àqueles que tentarem entrar nas instituições federais.

Igualmente preocupantes são os novos “detalhes” das exigências para progressão na carreira, mesmo daqueles que já fazem parte das Universidades. Além das atividades de extensão e pesquisa, seria necessário um total de 12 horas semanais de aula para requisitar a progressão, ou seja, um bom aumento da carga didática de todos os professores.  Lembro que uma boa aula, não se resume ao tempo que o professor gasta em sala perante os alunos. Existe todo um processo de estudo e preparação que, em geral, leva muito mais tempo que a aula em si.  Tal exigência é um severo sobrepeso à carreira dos professores-pesquisadores, que terão uma redução ainda maior de seu tempo hábil para dedicar a pesquisa.  Obviamente, se os professores tiverem que acatar uma exigência como está, teremos profissionais que além de sobrecarregados, ainda estarão mais frustrados diante dessa jornada de trabalho, o que fatalmente repercutirá na qualidade de suas aulas, bem como de todas as outras atividades universitárias.  

Em especial, na UFABC, com seu peculiar projeto pedagógico e divisão anual distinta, tais exigências tomam ares ainda mais pesados: Uma conta simples, diria que um professor da UFABC em seu trabalho anual deveria arcar com 36 créditos. Atualmente, as contas são feitas com algo em torno de 18 créditos anuais e já não é fácil lidar com a carga didática que temos e nos dedicarmos às atividades de pesquisa e a uma enorme carga de trabalho burocrático a cumprir para colocar nossa Universidade, que ainda está em consolidação, em condições de funcionar adequadamente.  Imagine como ficaremos se a nossa carga didática simplesmente DOBRAR! Se progredir em uma Universidade Federal se tornar algo complicado, na UFABC estaria beirando o impossível; provavelmente, uma anulação quase completa como pesquisador para obter a progressão. Tal preço valeria a pena ser pago? Creio que a grande maioria dos professores diria que não.   Se a proposta do governo for aceita, a UFABC terá que estudar muito bem como seguirá com seu projeto pedagógico e seu cronograma quadrimestral. Muito deverá ser pensado e adaptado para que possamos continuar ou a UFABC  verá um “êxodo de professores, como nunca houve na história deste país” (como diria o já mencionado “mentor” Lula).

Amanhã (17/7), haverá uma assembleia de professores: será discutida a proposta do governo e, provavelmente, votaremos se somos a favor de aceitá-la ou não. Sinceramente, não tenho muita esperança sobre a resposta: Se dissermos NÂO, estaremos caminhando para a continuidade de uma greve sem qualquer previsão de fim contra um governo que, se essa é a melhor proposta que pode produzir: a) não tem qualquer competência para fazê-lo ou b) não tem o menor interesse em evitar o caos no sistema universitário federal. Caso a resposta seja SIM, estaremos assumindo a nossa submissão a um governo que não demostra qualquer respeito para com os professores e nos comprometeremos a ficarmos silenciosos até 2015, o que permitirá a uma relapsa Dilma sua tentativa de reeleição sem resistência de nossa classe. Por fim, o nosso SIM será a anuência que nos contentamos com umas poucas migalhas oferecidas esporadicamente ao longo de três anos, com um rebaixamento de nossa classe e com a criação de um sistema de cruel ironia para o professor-pesquisador tenha qualquer progressão na carreira.   

          Sinceramente, termino este texto com uma amarga frustação ao ver um governo que tão pouco nos valoriza e oferece um acordo cheio de artimanhas e falhas como se fosse obra de divina abnegação.  Começo a pensar que vale a pena atualizar o currículo e refletir sobre uma carreira em outras universidades, até mesmo, particulares, que ao menos não escondem seu jogo com falsas promessas e podem oferecer acordos mais rentáveis. Se este governo mantiver as atuais premissas ao lidar com os professores, o sucateamento do sistema federal universitário é iminente e inexorável.  Os esperançosos e idealistas que me perdoem, mas se continuar assim, eu desejo aos que resistirem boa sorte e que o último ao sair, apague a luz. 


quinta-feira, 28 de junho de 2012

A Cidade nos Penhascos




Do outro lado do mundo, em um lugar que poucos se aventuram, existe uma cidade esculpida nos penhascos. Ninguém mais se lembra qual foi o primeiro desbravador que um dia achou que naquelas pedras duras seria possível construir uma vila.  Porém, muitos o seguiram, homens, mulheres e crianças, que acreditaram que um lar poderia ser elevado naqueles rochedos; uma morada que ousava tocar as nuvens.

Também tiveram muitas perdas nos primeiros anos...  Naquelas terras de alicerces inseguros, alguns dos mais ousados viram suas casas despencando para o profundo azul do mar. Infelizmente, muitos acompanharam suas malogradas construções neste último encontro com o frio fim de um sonho.

Parece estranho que um pai decida deixar a segurança do solo firme da planície pelas incertezas dos penhascos, mas para os que aceitam viver cercados pelas incertezas sempre resta uma recompensa:  Aos criados nas terras de penhascos, o clima, o solo e as necessidades os agraciaram com uma sabedoria que só germina entre aquelas que trilham os caminhos mais árduos.

Em uma altitude que faz o ar ser tão rarefeito, desde a mais tenra idade, se aprendia o valor do respirar. Estavam sempre conscientes de cada simples inspiração e expiração, para aproveitar o máximo desta dádiva tão escassa. Entre as construções sempre haviam traiçoeiras fissuras, que poderiam levar os mais distraídos a um trágico fim.  Os passos precisam ser bem cuidados,  com o tempo mesmo os mais afoitos aprendiam que a segurança não estava na vigília tensa e preocupada do andar, mas em ter a atenção adequada aos tempos e oportunidades da ação e da inação.

Naquela cidade, a vida era dura e a sobrevivência sempre dependia da força da escalada. Porém, os homens daquele lugar aprenderam a viajar para dentro de si mesmos quando lhes parecia faltar a energia que precisavam a sua volta.  Até mesmo quando as companhias deixavam de ser brisa  para soar como tornado, eles sabiam se proteger no abrigo de suas solidões. 

Apesar das dificuldades (ou, talvez, exatamente por elas),  estes habitantes sabiam estar abertos para as dádivas que recebiam da Natureza: o sol da manhã, a beleza de suas paisagens, o apreço da ventos amenos  em dias escaldantes...

A experiência de cada cidadão era mantida em sua memórias. Eles sabiam sentir o seu próprio ser e até mesmo pressentir um ser ainda mais especial que existia na memória do grupo. Quando exigido, estas memórias eram trazidas e utilizadas para dar novo folego a comunidade, mesmo nos dias que a escassez predominava.  

Além disso, também sabiam restringir seus impulsos mais imediatos. A cautela e paciência eram cultivadas com respeito, ainda mais num lugar que um simples escorregão poderia ser o último.  Estes cidadãos viviam em harmonia e podiam controlar seu tempo, sua energia e seu coração, pois conheciam o valor de se afastar de sua pretensa intelectualidade e emoções superficiais, na busca de algo mais profundo e, ao mesmo tempo, mais elevado: uma sabedoria adquirida no observar do contato do oceano com os grandes penhascos.

O único aparente prejuízo para aqueles bravos moradores dos penhascos era a dificuldade em visitar e conviver com os habitantes das planícies, que esqueceram a arte de observar os céus e se contentavam com a inércia de permanecerem sempre no mesmo plano.  Para um andante dos penhascos, a planície era sentida de forma densa e pesada, terra daqueles que viviam com um horizonte tão limitado e, mesmo assim, consideravam-se donos da vastidão (Essa era só uma das muitas insanidades dos moradores das planícies). Mesmo assim, os senhores dos penhascos mantinham o hábito (e esforço) de visitar as planícies em busca daqueles que, com um ar oprimido e um olhar furtivo em busca dos céus, mostravam o anseio por novos ares. Era trabalho daqueles que vinham dos penhascos, reconhecer estes deslocados moradores das planícies e levá-los para a sua cidade nas alturas, dando-lhes a chance de encontrar o novo que tanto ansiavam.  Assimera a vida daqueles que dominaram a arte de viver nos penhascos.